Juliano Loureiro • jul. 23, 2020

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No meio do seu caminho, até este texto, tinha uma pedra? Tinha uma pedra no meio do seu caminho? Eu lhe pergunto, porque tenho certeza que você já começou a associar essas frases a um dos mais famosos poemas da literatura brasileira. Os versos são esses:


No meio do caminho tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

Tinha uma pedra (...)


Então, é com esses versos de “
No meio do caminho”, de 1928, que começo a minha singela homenagem a um dos maiores escritores, poetas e cronistas do século XX, quiçá da história do Brasil, o mineiro Carlos Drummond de Andrade.


Prepare-se para conhecer um pouco da história de Drummond e sua obra. Limpe suas retinas se estiverem fatigadas e boa leitura!

A vida de Drummond

Agraciado como o “poeta público” do Brasil, pelo crítico Otto Maria Carpeaux, Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, interior de Minas Gerais, no dia 31 de outubro de 1902. Como toda família mineira da época, os “Drummond de Andrade” eram muitos, Carlos era o nono filho de Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade.


Ainda jovem, em 1916, Drummond muda-se para Belo Horizonte, onde estudaria no Colégio Arnaldo, uma escola tradicional da capital mineira - ainda em funcionamento - e que na época funcionava como um internato. Sua passagem por BH foi curta, por motivos de saúde, teve de retornar à Itabira, no ano seguinte. 


Bem, apesar do pouco tempo na capital, foi o suficiente para conhecer Gustavo Capanema (viria a tornar-se Ministro da Educação, levando Drummond como assessor de gabinete) e Afonso Arinos de Melo Franco (que em 1951, elaboraria a lei contra a discriminação racial).


Agora, olha só que interessante: em
1918, Carlos muda-se para o Rio de Janeiro e começa a estudar em outro internato, o Colégio Anchieta. Já naquela época, o autor já demonstrava suas habilidades, ganhando inclusive alguns concursos literários. 


Mas mesmo com a veia artística em evidência, Carlos Drummond conseguiu ser expulso do colégio. Sabe por qual motivo?  Insubordinação mental! Parece que nosso autor não se dava muito bem com o seu professor de português (quem diria?!) e, após um “incidente”, Drummond foi convidado a se retirar do colégio, foi expulso! Até as mentes mais criativas têm seus momentos de rebeldia! Ou a rebeldia é combustível da criatividade? Fica aí o questionamento para você!


Carlos e a família mudam-se definitivamente para Belo Horizonte. O ano era 1920, mas é
a partir de 21 que a carreira literária de Drummond começaria a deslanchar, digamos assim. Carlos Drummond começa a publicar seus primeiros trabalhos, no Diário de Minas, importante jornal da época. 


Além disso, passa a ser uma figurinha carimbada nos movimentos literários belorizontinos e se aproxima de alguns nomes importantes, como
Milton Campos, Abgar Renault, João Alphonsus, Aníbal Machado, Pedro Nava, dentre outros. E esses foram os primeiros intelectuais com quem Drummond relacionou-se. 


No ano de 1924, Carlos conheceu, em Belo Horizonte,
Blaise Cendrars, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Drummond tinha o costume de registrar a sua admiração por outros autores através de carta, foi o que fez, primeiramente, com Manuel Bandeira.

A carreira de Carlos Drummond de Andrade

Antes dessa peripécia farmacêutica, lá em 1922, Carlos Drummond ganhou o prêmio Novela Mineira com o conto Joaquim do Telhado


Três anos depois, em 1925, com a parceria de Emílio Moura e Gregoriano Canedo lançam
A Revista. Apesar de publicarem apenas três números, a obra foi fundamental para a afirmação do movimento modernista mineiro.


Novamente, três anos depois, em 1928, um importante marco na vida de Drummond. Foi na
Revista de Antropofagia, de São Paulo, que uma pedra no caminho deu um boom na carreira literária drummondiana. No meio do caminho é publicado e leva à crítica ao delírio. O poema trazia, em sua temática e forma, inovações modernistas que deixaram os conservadores da época de cabelo em pé.


E com o nome já figurando entre os mais importantes modernistas, em 1930, Carlos Drummond publica o seu primeiro livro
Alguma Poesia. A obra foi lançada com apenas 500 exemplares, pagos pelo próprio Drummond. 


O livro é uma coletânea de poemas e poesias e, já no primeiro trabalho, alguns de seus clássicos, além de
No meio do caminho: Poema de Sete Faces, Cidadezinha Qualquer e Quadrilha.


O primeiro livro de prosa drummondiana viria a ser publicado em 1942:
Confissões de Minas. Ainda nos anos 40, de volta à poesia, Drummond lança um dos seus mais famosos livros de poema: A Rosa do Povo. Nos anos 50, Drummond envereda-se pela ficção e lança, o também famoso, Contos de Aprendiz.

mario-de-andrade

Características das obras de Drummond

Carlos Drummond de Andrade foi um escritor completo. Destacou-se pelos seus poemas, que construía com maestria. Mas os seus trabalhos enquanto cronista e seus contos publicados são, também, de um nível de excelência drummondiana, por assim dizer.


Seus textos eram questionadores sobre a existência humana, instiga o leitor a se perguntar sobre o seu papel no mundo, alfineta a gente com relação ao nosso comportamento enquanto sociedade e questiona nossa religiosidade e amores.


Drummond era um retratista do cotidiano. Com uma linguagem permeada de ironias, sutilezas, humor e um certo receio (ou seria mesmo pessimismo) com a vida, Carlos Drummond de Andrade transformou o dia a dia em poesia de versos livres e linguagem coloquial.

Obras Drummondianas

Poesias:

  • Alguma Poesia (1930);
  • Brejo das Almas (1934)
  • Sentimento do Mundo (1940);
  • Poesias (1942);
  • A Rosa do Povo (1945);
  • Poesia até Agora (1948);
  • Claro Enigma (1951);
  • Viola de Bolso (1952);
  • Fazendeiro do Ar & Poesia Até Agora (1953);
  • Poemas (1959);
  • A Vida Passada a Limpo (1959);
  • Lições de Coisas (1962);
  • Boitempo (1968);
  • Menino Antigo (1973);
  • As Impurezas do Branco (1973);
  • Discurso da Primavera e Outras Sombras (1978);
  • O Corpo (1984);
  • Amar se Aprende Amando (1985).

Prosa:

  • Confissões de Minas (1942);
  • Contos de Aprendiz (1951);
  • Passeios na Ilha (1952);
  • Cadeira de Balanço (1970);
  • Moça Deitada na Grama (1987).

Curiosidades sobre Drummond

  • Carlos Drummond formou-se na Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, a UFMG, em 1925. Isso mesmo, Drummond era farmacêutico de formação;
  • Drummond deu aulas de português e Geografia em Itabira;
  • Entre os anos de 1988 e 1990, o rosto do escritor esteve nas notas de cinquenta cruzados;
  • Dentre as homenagens mais famosas a Carlos Drummond de Andrade está a estátua conhecida com “O Pensador”, em Copacabana;
  • Drummond trocava correspondência com outros autores. O primeiro foi Manuel Bandeira e, a partir de 1924, começou a corresponder-se com Mário de Andrade, até a morte do escritor paulista;
  • Casou-se, em 1925, com Dolores Dutra de Morais, com quem teve 2 filhos;
  • O seu primeiro filho, Carlos Flávio, faleceu 30 minutos após o seu nascimento;
  • Carlos Drummond trabalhou por 11 anos na chefia de gabinete do Ministério da Educação e Saúde (1934 a 1945);
  • Em 1987, a Mangueira homenageou o poeta com o samba enredo O Reino das Palavras, Carlos Drummond de Andrade. A escola foi a campeã do Carnaval deste ano.

Alguns dos poemas mais famosos

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili,

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

Tinha uma pedra

No meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

Na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra.

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.


As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.


O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.


O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.


Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.


Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.


Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.


Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.


Eta vida besta, meu Deus.

E agora, Maria, José e Carlos?

A vida de Drummond é tão exuberante quanto a sua obra. É uma pena que não coube tudo aqui, mas com certeza já deu para mostrar a importância desse autor mineiro, para a literatura e poesia nacional.


Mas cá entre nós, deixa eu te fazer uma pergunta: você percebeu que Drummond não era formado em nenhuma área que a gente imagina um poeta atuando. E isso acontece com muita gente, inclusive com você, que gosta de escrever, mas acha que ninguém vai te ler.

Juliano Loureiro; escritor, profissional de marketing e produtor de conteúdos literários.


Criei o Bingo em 2019 para compartilhar conteúdos literários com outros escritores, que também têm dúvidas sobre como escrever e publicar um livro. 


Já escrevi mais de 900 artigos, além de diversos e-books gratuitos. Na minha jornada literária, publiquei 6 livros, sendo 3 da série pós-apocalíptica "Corpos Amarelos".


Também sou criador do Pod Ler e Escrever, podcast literário com mais de 200 episódios publicados. 


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