Ouvi falar pela primeira vez deste livro durante o curso de “Escrita Criativa e Afetuosa”, ministrado pela Ana Holanda em Belo Horizonte, em agosto do ano passado. Como Haruki Murakami, um dos autores mais importantes da literatura japonesa atualmente, chegou até mim por meio da indicação de um amigo muito especial e eu já havia provado da literatura dele com o primeiro volume da trilogia 1Q84 (incrível, por sinal!), não tive dúvidas de que
precisava entrar na minha lista de leituras. Sim, é sobre corridas que o autor fala no livro, mas também é sobre a escrita e, acima de tudo, sobre a vida!
Com um jeito gostoso de escrever e uma linha de raciocínio que faz todo sentido na minha cabeça, Murakami conta como virou maratonista (ele corre, pelo menos, uma maratona por ano há 38 anos) e como isso tem a ver com o processo pelo qual passou para se transformar em um escritor. Para mim, o livro foi profundamente reconfortante e inspirador, porque nele a gente tem a chance de descobrir que Haruki Murakami é o que é especialmente porque decidiu ser — ele quis ser maratonista e virou um; ele quis ser romancista e virou um. Não tenho dúvidas que as pessoas não têm oportunidades iguais, mas acredito fortemente que, do ponto de vista da escrita, o processo está nas mãos de cada um.
Vale ressaltar que Murakami tem um livro dedicado à arte da escrita: “Romancista como vocação”, lançado em 2017 e que, confesso, ainda não conseguiu sair da lista dos livros que eu tenho para ler. De toda forma, acho que vale muito a pena começar por “Do que eu falo quando eu falo de corrida”, porque muito mais do que maratonas e o processo de escrever, a vida e suas nuances é o pilar que sustenta a obra do japonês. E é exatamente isso que me faz gostar tanto desse livro, que reforça uma crença que eu defendo com unhas e dentes quando se trata de produção de conteúdo: vida e escrita caminham lado a lado, de forma inseparável, num trajeto que não sabemos quando e onde termina.
Se você ainda não se convenceu como um livro sobre corrida pode falar tanto sobre escrita, dá uma olhada neste trecho:
“Algumas pessoas podem ralar como burros de carga e nunca atingir seus objetivos, enquanto outras os conquistam sem um mínimo esforço. Mas quando penso a respeito, ter o tipo de corpo que ganha peso facilmente talvez seja uma bênção disfarçada. Em outras palavras, se não quero engordar, tenho de dar duro todo dia, prestar atenção no que como e cortar as extravagâncias. (...) Acho que esse ponto de vista se aplica também ao trabalho do romancista. Escritores que nascem com um talento natural podem escrever romances à vontade, independentemente do que façam — ou não façam. (...) Ocasionalmente, você encontra gente assim, mas, infelizmente, eu não me incluo nessa categoria. (...) Para escrever um romance, tenho de exigir muito de mim, fisicamente, e despender um bocado de tempo e esforço. Toda vez que começo um romance novo, sou obrigado a escavar um novo buraco profundo. Mas como tenho mantido esse estilo de vida por muitos anos, tornei-me bastante eficiente, tanto técnica como fisicamente. (...) Assim, tão logo noto uma fonte de água secando, posso mudar imediatamente para outra. Se uma pessoa que se apoia em uma nascente natural de talento de repente descobre que exauriu sua única fonte, ela se vê encrencada”.
Esse trecho, assim como todo o restante do livro do Murakami, deixa um recado bastante claro. Todas as vezes que você pensa que alguém escreve melhor do que você porque nasceu com o dom da escrita, você está sabotando seu processo. Ter que trabalhar duro para buscar suas fontes de inspiração e aprender as técnicas que fazem o seu texto acontecer do jeito que faça mais sentido para você é o melhor caminho para ser bem-sucedido na escrita.